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    Boaventura de Sousa Santos

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    A Ucrânia é uma chamada para despertar a Europa

    É muito cedo para se fazer uma avaliação geral dos tempos nos quais estamos vivendo, mas os sinais são perturbadores e não auguram nada de bom

    (Foto: Noah Elazar)

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    Artigo de Boaventura de Sousa Campos originalmente publicado no Globetrotter e republicado no CounterPunch em 15.08.22

    Traduzido e adaptado por Rubens Turkienicz com exclusividade para o www.brasil247.com

    Está se tornando claro que os neoconservadores estadunidenses tiveram sucesso em criar uma atmosfera beligerante e anti-russa na Europa através de uma guerra de informações sem precedentes – as consequências da qual necessitará algum tempo para ser acessada. No entanto, é possível identificar os sinais daquilo que está por vir:

    Os perdedores: Ainda não sabemos quem vencerá esta guerra (ou se alguém a vencerá, afora a indústria de armas). Mas, nós sabemos que perderá mais com ela: os povos da Ucrânia e da Europa. Partes da Ucrânia estão em ruínas, milhões de pessoas foram deslocadas e o euro caiu; estes são sinais de derrota. Durante as sete décadas desde a destruição causada pela Segunda Guerra Mundial, a Europa se elevou de novo. Liderada por políticos de alto perfil e apoiada pelos EUA na sua cruzada anticomunista, a Europa Ocidental conseguiu se estabelecer como uma região de paz e desenvolvimento (mesmo que, infelizmente, às custas da violência e apropriação colonial e neocolonial). Tudo que foi preciso para colocar em risco a paz e o desenvolvimento foi uma guerra-fantasma: lutada na Europa, porém não liderada pela Europa e nem mesmo pelos interesses dos europeus.

    Transição energética: O dióxido de carbono (CO2), que é responsável pelo aquecimento global, permanece na atmosfera por muitos milhares de anos. Estima-se que 40% do CO2 emitido por humanos desde 1850 permanece na atmosfera, segundo uma reportagem da Deutsche Welle que citou o estudo internacional de 2020 'Global Carbon Budget' (Orçamento Global do Carbono)  Apesar da China ser o maior emissor de CO2 atualmente, o fato é que, se olharmos os dados das emissões de CO2 entre 1750 e 2019 (da análise da Deutsche Welle dos números do 'Our World in Data' (Nosso Mundo em Dados), a Europa é responsável por 32,6%, os EUA por 25,5%, a China por 13,7%, a África por 2,8% e a América do Sul por 2,6% do total das emissões durante aquele período. Dado a dívida das emissões cumulativas da Europa durante 269 anos, a estória do seu recente crédito para equilibrar o orçamento de carbono global ao liderar a luta por energia renováveis nas décadas recentes é um sucesso qualificado – é o mínimo que eles podem fazer. Podemos ser críticos de uma transição energética que é sustentada pela ecologia dos ricos (a maioria europeus); porém, pelo menos, ela está indo na direção correta. A guerra na Ucrânia e a crise de energia de combustíveis fósseis está suficientemente desencadeada para fazer evaporar todos os projetos relacionados a esta transição energética. O carvão retornou do exílio e o petróleo e a energia nuclear estão sendo reabilitados. O que de mais importante está perpetuando o avanço da transição energética? Qual maioria democrática decidiu segui naquela direção?

    O espectro político: A crise econômica e social que se aproxima terá um impacto sobre o espectro político nos países europeus. Por um lado, vale assinalar que são os governos mais autoritários (como a Hungria e a Turquia) e os partidos de extrema direita que têm demonstrado o menor entusiasmo para a beligerância – que é encapsulada no triunfalismo anti-russo que tem dominado a política europeia nos meses recentes. Por outro lado, os partidos de esquerda, com poucas exceções, desistiram da sua própria posição (de esquerda) sobre a guerra. Alguns destes partidos (de esquerda) que se distinguiram no passado pelas suas posições contra a OTAN, permanecem em silêncio frente a sua insensata e perigosa expansão para todos os continentes. Quando a continuação da guerra e a expansão dos orçamentos militares comecem a causar o empobrecimento das famílias, o que eles pensarão em termos das escolhas políticas feitas em nome de protegê-los? Será que eles não serão atraídos a optar pelos partidos que mostraram o menor entusiasmo pelo jingoísmo beligerante que causou o seu empobrecimento?

    A segurança dos cidadãos: Em junho de 2022, tornou pública a sua preocupação que uma grande quantidade de armas fornecidas para a Ucrânia poderia entrar no mercado ilegal de armas e terminar nas mãos de criminosos. Esta situação é muito mais séria, já que o equipamento fornecido à Ucrânia inclui artilharia pesada. A experiência do que ocorreu no passado em outros teatros de guerra justifica esta preocupação. Por exemplo, muito do equipamento de guerra fornecido pelos EUA ao Afeganistão acabou nas mãos dos Talibãs, contra quem o exército dos EUA estava lutando. É bem conhecida a tragédia dos sucessivos massacres nos EUA causados por civis armados. O que acontecerá na Europa se o fácil acesso a estas armas faça com que estas acabem nas mãos erradas?

    A normalização do Nazismo: Um pouco antes da guerra na Ucrânia, diversos serviços de inteligência e grupos de estudos de segurança estavam advertindo sobre a forte presença de grupos neonazistas na Ucrânia, sobre o seu treinamento militar e equipamentos, e a maneira como esses estavam sendo integrados nas forças militares regulares – o que não tem precedentes. Compreensivelmente, a eclosão da guerra deixou esta preocupação de lado. O que está em questão agora é se o Nazismo pode ser transformado em uma ideologia nacional como qualquer outra, e se os seus recorrentes ataques contra políticos progressistas na Ucrânia podem ser convertidos em atos patrióticos. Resta saber que impacto isto terá na Europa, contra o pano de fundo do crescimento da extrema direita.

    Anticomunismo fantasma: O ódio anti-russo foi exacerbado na Europa pela invasão da Ucrânia contém, subliminarmente, o ódio anticomunista – mesmo sendo sabido que o Partido Comunista é uma minoria na Rússia e que o presidente Vladimir Putin é um político de direita, um amigo da extrema direita europeia. Para setores da extrema direita, agora o comunismo é um significante vazio e serve como uma arma para demonizar oponentes políticos, para justificar o cancelamento destes oponentes nas mídias sociais, e para promover o discurso do ódio. Deve-se temer que esta ressaca permanecerá na vida política para além da guerra na Ucrânia.

    Crime e injustiça nos Balcãs: A guerra na Ucrânia teve o efeito de chamar a atenção dos europeus mais bem informados sobre a maneira arbitrária como a Iugoslávia foi destruída – com o bombardeio de alvos civis pela OTAN em1999 e os crimes de guerra que foram cometidos por todos os lados na antiga Iugoslávia. O preconceito histórico e religioso anti-Balcãs, o Chanceler do império austríaco Klemens von Metternich (que ocupou este mandato de 1821 a 1848) dizia que a Ásia começava na Landstrasse – a rua em Viena onde viviam os imigrantes balcânicos – acabou sendo refletido na maneira pela qual alguns países da região estiveram aguardando por muitos anos para entrarem na União Europeia.

    É muito cedo para se fazer uma avaliação geral dos tempos nos quais estamos vivendo, mas os sinais são perturbadores e não auguram nada de bom.

    * Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.

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